segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Ensaio sobre o avesso, e memórias.

Tenho medo quando vira a meia noite. O dia começa com a noite. O começar no seu próprio fim. É um revés que estamos tão acostumados. Nem notamos. Alguns grilos ressaltam o orvalho que supomos cair. É o sereno de mãe. Daquele que escutamos desde novos a prevenir, na chegada da madrugada. Não sabemos o que é, porque não o vemos. Mas podemos sentir. A noite tem dessas coisas: com menos luz olhamos menos os detalhes banais; que com a claridade latente da luz reflete com tanto ardor nos olhos. A vida de noite tem mais silêncios, mais pausas. Dá vontade de migrar pro mundo dos sonhos, logo. Ao mesmo tempo, é bom viver dos silêncios e se alimentar de suposições . Desejar em silêncio. Sempre desejamos em silêncio, eu sei. Mas de noite é um silêncio mítico. De noite supomos muitas coisas. Só podemos ver clarões e borrões das janelas acesas. Corujas que piam. Morcegos que passam como lampejos. Gosto da monocromia noturna. A estrela transparente, no céu preto. O contrário em evidência. O revés dos olhos. O negativo dos olhos. O ver com preenchimento. A noite é isso pra mim... Um revés, como naquele triângulo sem começo nem fim. 
A gente começa o dia de noite. E foi nesse revés do contrário das coisas que eu me sentia criança. E é assim, até hoje. O contrário do contraste, sempre tão evidente em si mesmo, para mim já deixou de fazer sentido. 
A noite a gente lembra que não desejamos quem mais amamos, e que somos homens e mulheres , e bichos. Ecoando a lua cheia. Atrás de deleite, e prazer. A noite lembramos pelo revés do sim, o próprio sim. Lembramos que tudo é simbiose, gestação, e que somos separados por um umbigo e pelo tempo. A dor de separar é tanta. Vivemos no mundo com um furo, um buraco negro que dá no ventre e desemboca no coração. A noite esquecemos de sentir fome, esquecemos do mundo, sentindo sonhos. Ser criança num mundo de adultos. A noite é inocente, mas a gente adora tirar essas inocências, todos os dias. Lembrar de não desejar quem mais desejamos. Tarefa difícil. Lembrar de esquecer a própria pélvis. E o umbigo. Aquele buraco que nos separou da mãe. Aquele que a água do mar entra e faz bacia, preenchendo. Aquele de Iemanjá. Lembrar de ser só .Lembrar de lembrar aquilo que um dia tivemos que esquecer. Memória tem dessas coisas de umbigo. Memória tem dessas coisas de fadas.

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