sexta-feira, 4 de março de 2016

Eu sinto que a vida carrega vidas prontas dentro dela mesma.
A vida da beleza pronta, da inveja e vontade de tê-la, ainda que seja em outra pessoa.
No limite, o que desejamos, senão devorarmo-nos, uns aos outros. 
Eu sinto que a solidão é um estado de espírito. Alguns se desesperam.
A imagem na tevê, os filtros nas fotos, que apagam e borram o que não pode ser foco. 

Sinto que fico mais nova a cada ano, e que a vida recomeça todos os dias. Sentir-me tão diferente do comum, onde em tese envelhecemos a cada dia e corremos contra o tempo, é a minha pequena revolução. Talvez como Fitzgerald, talvez como em uma corrida. Ao final morremos um pouco, mas a sensação do coração batendo mais forte me torna mais viva. E no final de tudo o que é isso tudo senão uma eterna re-significação do que é e sempre foi o mesmo. Aprender a tomar café sem açúcar a aprender a não comer pão. A tristeza seria esse momento em que queremos uma vida que não a nossa mesma. 

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

carta de uma filha a uma mãe obesa

mãe,

aprendi a ler migalhas.
se eu pudesse, eu faria uma dieta por você, se eu pudesse, eu faria exercícios por você.
se eu pudesse, eu faria cursos de culinária saudável por você, se eu pudesse eu faria uma reprogramação da sua rotina alimentar por você.

por mais que você tente esconder, as migalhas ficam pela casa. numa tentativa infindável de conter seus rastros, tento  refazer os caminhos alimentícios, escondo as comidas, tento não comprar aquelas que engordam. mas escuto os papéis de embrulho se abrindo de dentro do seu quarto, vejo que aquele biscoito que estava no pote já não está mais.

as suas migalhas se transformam nesses pesos a mais, refletidos hoje na sua dificuldade de caminhar, nos tombos que você leva, às vezes.

eu tenho muito receio, porque sinto que você não enxerga isso como um problema. quem enxerga isso como um problema sou eu, que gostaria que meus filhos pudessem conhecer a avó,  e que gostaria de poder partilhar da sua companhia por mais tempo.

vejo que estas migalhas estão te destruindo, e eu não posso contê-las por você.
comecei a viver uma guerra que nem é minha, odeio essas migalhas, por pura empatia.
mas não posso mais limpá-las pela casa.
talvez o caminho seja as deixar, e quem sabe vc enxergue seu próprio caminho. 

terça-feira, 26 de maio de 2015

essa mania que tenho de pensar demasiadamente em tudo, me leva às vezes a crer que no fundo é só porque quero dar conta do que não tem conta nenhuma. sentir não é matemático. 

Fantasma imaginário

Hoje depois de chegar em casa depois de um dia de sol triste, daqueles em que o sol brilha tão bonito, e dói. Dói porque em meio à tanta luz havia preferido o blackout das cortinas, no meio dos prantos elas parecem ecoar melhor. Na noite anterior, insone, pensou que precisava resolver essa questão de namorar imaginariamente. 
Foi trabalhar e voltou pra casa supondo que seu namorado imaginário poderia lhe aguardar para ver um filme. Na verdade como ele não estava pra dar uma opinião optou por ler um livro. E pensou que nunca se pode supor nada de alguém. Muito menos de quem se supõe amar. A suposição é um fantasma. Pior que o namorado imaginário. Pior que o amor. 

quarta-feira, 13 de maio de 2015

Hoje eu acordei sem vontade de levantar da cama, isso tem acontecido com certa frequência, à minha própria revelia, que estranha esse desejo preguiçoso, dado que sinto prazer em realizar muitas coisas ao mesmo tempo. Ao estranhar esse sentimento vindo de mim mesma, me remeto ao sentimento que ele poderia ser estrangeiro, algo que não é meu, mas que de repente tem se apresentado a mim mesma como uma forma de me relacionar com o mundo. Como se eu pudesse fugir da passagem das horas, de tudo o que eu desejo e não acontece, e de tudo o que eu desejo que mude, e não muda. Hoje eu acordei com vontade que grandes mudanças já estivessem em vias de acontecer, e não que elas parecessem distantes de se tornarem viáveis. Já não sei mais me se me tornei refém dos meus desejos, ou se ao descobri-los me tornei invariavelmente revolucionária. Mas hoje eu queria que a revolução pudesse ser feita de cima da minha cama. 

terça-feira, 12 de maio de 2015

Hoje saindo do trabalho, me lembrei que precisava ir ao supermercado,  e fui com meu namorado imaginário, ele contou uma piada no meio do caminho e eu até ri.
Saindo do supermercado, depois de termos rido das piadas, e visto uma cena engraçada de uma mulher escorregando, depois de deliberar sobre o que comeríamos amanhã, fomos embora.  Imaginei o que ele faria com as espinhas que nasceram no meu rosto em decorrência da minha TPM, e o imaginei espremendo todas, e sentindo um prazer escatológico, até briguei com ele, porque não gosto quando ele faz isso em público. Imaginei que eu falaria como eu me senti diante do dia, e até imaginei que debatíamos um texto que li demanhã. Imaginei o que ele falaria da minha roupa, se ele gostou da combinação. O que ele falaria ao me ver chegando do cross fit, e que talvez eu esteja pegando pesado demais, ele sempre diz que sou exagerada. Imaginei o que ele falaria do suco verde, que eu voltei a tomar. E que provavelmente iria rir da saudação ao sol que eu comecei a fazer todas as manhãs. Em meio a tanta ausência me sinto um pouco louca por ter um namorado imaginário. Imaginei que o amor deve ser isso mesmo. Que só se sabe amar quando se deixa ser só. Mas já não sei mais se amo essa solidão ou se amo essa obsessão de imaginar como seria se você estivesse. 
Eu digo que eu sinto falta dele.
Ele diz que ele sente falta na minha ausência. Mas que estando ausente estou sempre presente. Eu digo que com ele eu aprendi que o amor tem mais a ver com ausência do que com presença. Ele diz que não entende.Eu digo que amamos a ausência um do outro, apesar de sempre ter achado que amor tinha mais a ver com transbordamento de presença. Ele diz que não entende, e ri. Eu digo que sofro pela ausência dele, que talvez eu tenha que me ausentar de nós, porque já não é possível tanta ausência. Ele diz que espera que eu fique. E eu dizendo que vou, fico. Dizendo que fico, me imagino indo. Continuo dizendo que amo nosso amor ausente, odiando o presente da nossa relação. A distância tem dessas coisas de ilusão. A gente ama o que imagina que a pessoa faria caso ela estivesse em algum lugar desse ir e vir. Eu digo que ele nunca está. Ele diz que está sempre, eu é que não o vejo. Ou não o permito estar. Já não sei mais do que nos acusamos, se eu ali nem estou, e por não estar, o acuso porque eu fui embora. Em indo embora acabo voltando pra onde supus deixar. E quando volto ele nem soube que eu fui. Mas toda vez que eu vou embora eu acabo indo, indo pra nossa relação. A nossa relação é esse eterno ir e vir, estar lá e cá. Já não sei mais onde eu estou, onde não estou. Porque onde eu menos estou é onde mais estou. E onde ele menos está é onde ele está mais. Ele diz que por ele tá tudo bem: ele ama a presença da minha ausência. Eu odeio a ausência da presença dele. Nesse não estar estando e nesse estando só e junto, viramos um nó. Eu já não sei mais se estou só quando ele está ou se estou só quando ele não está. Já não sei se ele está ou estará. Acho que não. Ele diz que vem e nunca vem. Meu sonho é acabar com a esperança e na ausência dele não supor sua presença. Mas a esperança falha diante do amor. Sempre achei que o amor tinha mais a ver com presença. Mas acho que ele tem mais a ver com ausência.