quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Abriu o jornal numa manhã chuvosa. Algumas gotas borravam algumas notícias. Com sua mão gelada, exalando o cheiro do café, leu as primeiras palavras da manhã. Seus olhos, por sua vez, degustavam o preto do café, na xícara amarela.  Gostava da sensação de abrir o jornal e conhecer algumas pessoas que escreviam nele; imaginava se na entrevista com o fulano famoso, aquela conhecida sua, haveria feito qual pergunta, no silêncio das palavras que não são impressas. Supunha, que no caminhar dos dias, talvez ficaria sabendo de alguma fofoca. Mas na verdade, achava que ela era mesmo gay.
Ao ir pro trabalho, ligou o rádio, ouviu uma voz conhecida. O locutor era namorado de uma amiga. Resolveu mudar, começar a segunda-feira com CBN era mais chato do que a própria segunda. E no caminhar do eixão, passou pelo buraco do tatu, de lá avistou algumas pessoas na plataforma, com guarda-chuvas coloridos... A música entrava e saía pelos ouvidos, gostava da maneira que as gotas escorriam, e viravam vapor.
No trabalho deu bom dia, que quase não saiu.
 Pensou que no caminhar dos dias, as linhas retas dessa cidade formavam um labirinto esquisito, onde encontram-se  pessoas que nos apresentam pessoas, nesses guetos. São encontros dessas linhas retas, que ecoam relações tão retas, onde é possível delimitar de onde cada um nos conhecemos, ou a partir de quem. Achou o mundo tão pouco redondo. Ou redondo demais. E sabia que isso não parava por aí.  Sabia que era possível assistir a uma propaganda, e saber que foi feita em uma agência de publicidade que outros conhecidos trabalham; ou eventualmente em uma e outra ter até um ex-namorado; Sabia que se fosse a  um espetáculo no final de semana, veria amigos no palco, e algumas vezes até dirigindo algumas peças;  E no fundo, essa sensação de dirigir pelas ruas plácidas, olhando o céu, vendo as árvores, imaginando quem eu poderia encontrar num milagre do encontro nessa cidade era só mais uma das sensações de minoridade que enfrentaria naquele dia; Supunha que o carnaval aqui é feito por alguns blocos, também criados e geridos por amigos, de amigos, e ele estaria por vir e encontraria alguns muitos rostos conhecidos, e novos casais se formariam, a partir desse pretexto brasilienzístico auto sabotatório.  No fundo, gostava também de ir em exposições, e descobrir que eventualmente conhecia um e outro, ou se apaixonou por um e outro; Mas ainda achava também aprisionador descobrir que se apaixonava por pessoas que namoraram pessoas que já namorou;
é enlouquecedor não ter ruas para percorrer, pensava.
Sentia falta de ter esquinas, ou simplesmente pessoas abertas a conhecerem pessoas.
ou simplesmente entrar num beco, e ter uma porta, com um lugar novo, que ninguém conhece, ou conhece o dono.
Brasília é um avião, mas falta voar.


terça-feira, 29 de janeiro de 2013

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

independência e indecência


chegara em casa com a sensação que o máximo de vertigem que poderia ter naquele dia triste seria as tesourinhas que fizera de maneira equivocada. as voltas dadas pareciam montanha russa, onde foi possível ver a cidade de uma perspectiva um pouco torta, abaixo ou acima da linha do horizonte. mas sentia tanta raiva de tê-las feito errado, pensava.  argumentava consigo mesmo, que, ao mesmo tempo sentia que era só assim que sairia da retidão brasiliense. e só assim demoraria um pouco mais pra chegar ao trabalho. pensava, inclusive, que até nas suas relações pessoais, o máximo de calor e obscenidade que podia chegar era conhecer amigos de amigos. e achou o mundo tão careta. imaginou que o máximo de lugar que poderia ir, aquele dia, era o beirute. e nessa retidão de pensamento rizomática, no limite, e na falta de opções, sentiu vontade de ligar pra uma amiga. tinha vomitado. eram sentimentos vazios, aprisionados em algum lugar de seu útero, que buscavam vazão estomacal. sentia que tinha feito algo bastante equivocado. beirando ao limite corporal: tinha sido obscena. simplesmente havia  falado pra alguém que estava interessada. mesmo sem saber no que podia dar. depois de alguns poucos indícios de vontade reprimida, pela pessoa. aquela conversa de boteco: você é mó gata. buscava alguma razão nas trocas de palavras sem sentido. havia lhe dito que preferia que fossem amigos. e mês passado outro havia lhe dito: você é demais pros meus pensamentos agora. começou a sentir alguma culpa por ser ela mesma. sentia que deveria reaprender a ser passiva, e esperar o desejo do outro lhe encontrar. sentia que, no limite, podia trabalhar, pagar suas contas, comprar seu carro, ser viajada. mas na hora da paquera, teria que esperar o  outro dar o sinal. começou a pensar a respeito das imagens sociais as quais são engendradas à mulher moderna, independente. pensava que às vezes sua independência soava indecente.  desejar, ainda que secretamente, podia soar como inconveniente, ou como se tivesse passado dos limites do corpo. ainda não conseguia entender o que a incomodava. ou o que seria incômodo ao outro.só sabia que seu prazer era engendrado em seu próprio corpo, e não gostaria que ele tivesse submetido à autorização social de recitá-lo.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Tenho esse problema de amar demais algumas pessoas. Até imagino elas peladas. E em cima ou baixo de mim. Imagino as salivas. Ivas uvas oitivas.
Imagino outras , que eu odeio. Tão longe. Tão avessas. Ao mesmo tempo que se parecem tanto comigo. Se parecem até no repúdio que elas tem por mim mesma.

denso.


A densidade me apavora. Talvez por isso a chuva me deixa num estado de nervos. Tenho medo de virar vapor de água, ou de me misturar à agua, que escorre no bueiro. 
Fora isso, o ser-calango tão característico dessa terra que é natal, faz com que eu ache extremamente esquisito os musgos verdes que começam a crescer nos troncos, e até mesmo nas laterais dos bueiros. A umidade é estranha. O nariz não coça como antes, e os cabelos demoram a secar. A água carrega o peso do ar. Eu tenho medo de ser tão densa a ponto de virar gota. E em sendo gota, me derramar por aí. 
Ao mesmo tempo, o tom cinza das nuvens, que cobrem o céu, que fora azul. Água tem dessas coisas de transformar. Se transforma azul em cinza, o que fará de mim? 


terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Ensaio sobre atos de arte e conselhos

Em verdade só os artistas mostram seu trabalho de maneira crua. Falar do que se trabalha para alguém . Fato cotidiano banal. Não ter que explicar o que se faz, ou como se faz. Fazê-lo, num palco , num gesto continuo de irrupção e ruptura e, ousaria dizer surpresa, espanto. Ao mesmo tempo que doce e fugaz.
Quando se trabalha com aquilo que não se toca, tampouco é visível é de uma ordem incontornável, como quando começamos a sonhar. Trabalha-se com uma linguagem sem códigos pré concebidos. Trabalhar com atos de falas e promessas, com culturas, das canibais às capitais. Chegar num nível onde o respeito encontra limites sórdidos.
Sempre queremos ter razão. Por mais que em discursos operativos conscientes ela esteja completamente distante, quando vemos estamos recorrendo a ela. A razão. Como atos colonizatórios, repetimos algumas violências sórdidas, aceitas em códigos de éticas. Dizer a alguém o que dizer. Dizer a alguém o que fazer.
Que cruel.